O Distrito da Liberdade


Dia 13 de junho fui junto com minha equipe: Jobson, Catarina Joana e Everton, ao Multicentro Professor Bezerra Lopes e participamos da oficina distrital da liberdade que tinha como objetivo subsidiar o plano municipal de Saúde de Salvador que está em construção.
A oficina iniciou-se pela manhã e auditório estava lotado de gestores de todas as unidades que compõe aquele distrito. 
Poucos membros da comunidade estavam presentes (contei somente quatro). A apresentação das equipes foi super demorada, com a equipe se orgulhando de estar ali por seis anos sem alterações e soube que eram em sua maioria, indicados por um vereador da região. 
Nenhuma novidade para mim, o loteamento de cargos que a lógica do Estado fisiologista impõe ao Sistema de saúde, mas confesso que fiquei um pouco chocada na desqualificação de muitos - inclusive um gestor de unidade chegou a dizer publicamente que era formado turismo e não entendia nada da área. Também fiquei pensando sobre as inexistências de concursos periódicos para carreiras públicas na gestão do município e como que os sanitaristas um dia poderiam tomar aqueles espaços.
Em Brasília, não me lembrei de ver comissionados em nível de chefe de serviços, só em subsecretarias e coordenadorias. Mas é uma realidade bem diferenciada que tem mais financiamento - fundo constitucional e uma pressão maior dos concursados (somos todos concurseiros!). 
Bem, esse é o Brasil real, e pensar municípios que nunca nem fizeram concursos e estão eternamente no sistema de REDA e os colegas nos cargos de comissão.
Fiquei muito curiosa em saber mais sobre o distrito da Liberdade, afinal lá é a terra do Ilê Aiyê, um dos bairros mais negros da cidade e o caminho para a independência da Bahia. Houve uma profissional que mencionou essa história muito brevemente e disse da importância dos profissionais saberem que a atenção a saúde naquele lócus de trabalho é para a população negra. Achei interessante e prometi a mim mesma aprender mais sobre a história de minha nova cidade.
A apresentação da análise de saúde demorou muito a começar devido à romaria de apresentações de gestores, quando ocorreu foi muito breve, cheio de justificativas nos erros do sistema de informação ou culpando a população (que não se tratam) ou dizendo que é difícil demais trabalhar naquele território perigoso. A dinâmica que a chefe do distrito organizou, em que as unidades compartilhavam a apresentações dos números junto ao gestor da vigilância epidemiológica, provocou desconfortos e constrangimentos. 
Mesmo com tantos atropelos, aprendi muitas coisas interessantes. As principais doenças infecciosas citadas foram: a Tuberculose, Dengue, Sífilis, a Varicela, e as doenças sexualmente transmissíveis. A Tuberculose apresenta um Coeficiente de incidência no Brasil de 33,6 por 100.00 habitantes para o ano de 2015, sendo o Distrito da Liberdade no mesmo ano a taxa de Incidência foi de 116,9 por 100.000 habitantes, fiquei abismada como uma doença plenamente evitável tinha um índice tão alto naquela região. A hanseníase também foi citada como presente nos indicadores (diagnosticada também em crianças) e fiquei refletindo sobre as iniqüidades em saúde e pauperização daquela região.
Outro aspecto muito citado foi à violência. A mortalidade por causas externas é a 2° causa de morte no Distrito da Liberdade, sendo que as mortes por homicídio ficam em 1° lugar em causas externas. Em Salvador as mortes por causas externas ocupam o 3° lugar no número de mortes, abaixo do que é encontrado no Distrito da Liberdade. Durante o acompanhamento da Oficina Distrital da Liberdade os usuários e os trabalhadores (principalmente os agentes comunitários) relataram viver constantemente em situações de violência, falaram das dificuldades de transitarem entre os bairros por conta da violência, e mencionaram que os serviços de saúde fecham mais cedo por conta da falta de segurança, e citaram o bairro de Santa Monica como uma dessas localidades. Eu visitei essa unidade na minha disciplina de práticas 1 e lembro-me da turma ter que ir embora por que a unidade ia fechar por que os traficantes da região avisaram a diretora que haveria um acerto de contas nas próximas horas. Foi desesperador para mim, mas para a equipe era só mais um dia de trabalho com alguma adversidade.
Em relação às Doenças crônicas, assim como no Brasil a primeira causa de mortalidade são as doenças cardiovasculares, sendo destas, o infarto do miocárdio a primeiras e AVC a segunda causa de morte. Foi relatada durante a Oficina a pouca adesão da população no programa HIPERDIA, e a cobertura de 11% da atenção básica como um fator determinante para o agravamento destas doenças.
Sobre a participação da comunidade achei interessante perceber a liderança da associação de portadores de HTLV sensibilizando os gestores a sua bandeira e ouvir seu relato de participação de todas as oficinas. 
Já a presidente do conselho distrital,  achei vergonhosa sua fala de apoio incondicional a gestão e o fato de não apresentar as reivindicações da comunidade na oficina. Fátima estudante da saúde coletiva e outra usuária que é membro do conselho municipal pelos estudantes fizeram boas contribuições também. 
Todavia, quem mais me surpreendeu foi à usuária do CAPS que não se limitou a pauta da saúde mental se colocou como líder comunitária e explanou sobre transporte, dificuldade de acesso ao PSF, entre muitos temas.
Por fim, acho que a oficina foi um grande aprendizado para mim. Estava junto ao Robério tentando captar o máximo de depoimentos e imagens para ilustrar aquele momento depois para meus colegas de sala. 
Não mudei minha opinião sobre a falta de prioridade para um planejamento real com a participação popular, realidade evidente quando a gestora do distrito comentou que na conferencia distrital passada houve a participação de mais de 100 entidades sociais. Onde elas estavam para aquele momento? Por que falar só para si? Onde estão os trabalhadores fora dos cargos de chefia? 
Alguns agentes comunitários por sua mobilização estavam presentes, reivindicaram problemas em suas condições de trabalho, mas e o resto dos trabalhadores da saúde? Como superar os vazios assistenciais daquela comunidade? Como superar os indicadores de morbidade e mortalidade preocupantes? O que farão com nossas propostas elencadas? Resposta que não foram respondidas e neste discurso que os verdadeiramente ilustres vão receber nossa opinião é que sabemos que não irá sair nada. Sem mobilização não há transformação. Não se cede poder quem não tem medo de perdê-lo.


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